Numa entrevista ao Funchal Notícias, que transcrevo na íntegra seguidamente, falo da minha caminhada política, de algumas pessoas que a marcaram, da vida futura e dos desafios políticos que a Madeira enfrenta e de como podemos continuar a lutar por uma terra melhor. O texto é do consagrado Jornalista Henrique Correia e as fotos do, também consagrado, fotojornalista Rui Marote, aos quais agradeço o trabalho. Aqui fica a entrevista, transcrita, na íntegra:
"Roberto Almada, deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Legislativa Regional, líder e cabeça de lista em 2011 e em 2015. Um nome que deixou marcas, ao longo dos anos, entre a oposição ao governo social democrata. Crítico, tantas vezes contundente, ganhou respeito no Parlamento, pela forma de ser e de estar, pelo trabalho, pelo combate político no primeiro orgão de poder próprio da Região.
No partido, ganhou notoriedade, teve altos e baixos, como acontece a todos. Mas viveu, sobretudo, um contexto difícil, primeiro porque tinha Jardim pela frente, com o carisma e a conhecida governação “musculada”. Mas esse problema, ter Jardim pela frente, outros também tiveram. Roberto Almada tinha esse e outro igualmente de grande relevância, substituir o também carismático Paulo Martins, o histórico líder da UDP, ainda hoje recordado pelo papel ativo enquanto parlamentar, enquanto tribuno como poucos, um homem de convicções, de causas, um lutador até ao fim. Roberto Almada teve essa missão difícil.
Sou militante de base e volto à minha atividade profissional
É com um “currículo” que construiu desde a primeira hora que, neste final de Legislatura, deixa a Assembleia Regional, o Bloco de Paulino Ascenção dispensa os seus serviços e vai dar lugar a outros. Reage com normalidade, dentro da qual cabe um olhar de quem já tem saudades antes de sair. Foram muitos anos de luta política, de sentir a política, de viver a política. Valeu a pena, vale sempre a pena, diz com a certeza do que está para trás e com a esperança do que está pela frente.
Roberto Almada reage bem à nova realidade que se aproxima. “Sou militante do Bloco de Esquerda e sobre a minha militância política estamos conversados. Volto à minha atividade profissional, sou educador social, trabalho com crianças e jovens em risco, numa instituição pública. Estou a acabar o meu curso de Ciências de Educação, tive que interrompê-lo quando assumi funções de coordenação do Bloco. Voltei em 2017/2018, faltam-me agora apenas duas cadeiras para completá-lo”.
Temos que assumir este desprendimento
Faz uma pausa para falar dos miúdos, refere-se assim aos jovens que o acompanham na turma universitária, é o mais velho, como se compreende. “Perguntam-me o porquê de só agora estar a tirar o curso, digo-lhes que estive a fazer outras coisas que gostei imenso”. Agora, já vivendo o presente como se estivesse no futuro, diz que em política é assim mesmo, “temos que assumir este desprendimento. Quando as nossas organizações precisam de nós, devemos estar disponíveis, mas quando consideram que têm melhores respostas do que aquelas que nós estamos a dar, temos que encarar com naturalidade. Claro que mentiria se dissesse que não vou sentir saudades. Mas olhe, quando isso acontecer, revejo os vídeos e venho ao Parlamento, como observador. Certamente que o meu partido vai conseguir uma boa representação para continuar aquele que eu acho que tem sido o bom trabalho que temos desempenhado ao longo de quatro anos”.
Aprendi muito com Paulo Martins
Num momento em que prepara a sua saída, deita um olhar para trás, recua pelo menos oito anos e não deixa de recordar as dificuldades sentidas para pelo menos tentar acompanhar “a excelência do trabalho que o Paulo Martins tinha feito. Foi um excelente líder partidário e um excelente deputado. Foi com ele que dei os primeiros passos na política, tive essa sorte, acertei umas vezes, errei noutras, mas aprendi muito. Mas em 2011, além de substituir essa figura carismática, existiram outros fatores que não ajudaram nada. A nível nacional, o Bloco de Esquerda tinha vindo de uma quebra eleitoral, tínhamos 16 deputados e passámos para 8 na Assembleia da República. Perdemos o deputado na Madeira e no ano seguinte também perdemos um deputado nos Açores”.
Foi essa derrota que quebrou a onda “bloquista”. Por cá, quatro anos pela frente sem representação parlamentar na Assembleia Regional, levaram Roberto Almada a colocar o lugar à disposição, mas sem alternativa interna acabou por continuar. Não foi fácil, foi duro enfrentar o combate político sem a força do Parlamento. Mas mesmo assim, desistir não era solução e nas eleições seguintes o Bloco de Esquerda voltou à Assembleia na sequência de um trabalho que teve o apoio de figuras nacionais, Francisco Louçã numa primeira fase, João Semedo num segundo momento, era ele que tinha a Madeira no âmbito das suas atribuições dentro do BE, infelizmente já faleceu. “Recordo-me que ele veio à Madeira, por duas vezes, só para jantar comigo e dar o apoio do Bloco. Foi com persistência que tivemos, em 2015, na Madeira, os melhores resultados, elegemos dois deputados e nas eleições regionais seguintes e elegemos um deputado à Assembleia da República. E nessa altura, o Bloco a nível nacional ainda não tinha começado a crescer. Mas conseguimos, todos, contribuir para esse crescimento. Foi um percurso difícil, com altos e baixos, mas neste momento o Bloco está bem e em condições para obter bons resultados nas próximas eleições, regionais e nacionais”.
Parlamento fiscaliza mais, mas houve alternância em vez de alternativa
A forma de fazer oposição evoluíu com a saída de Jardim e a entrada de Albuquerque na governação? Roberto Almada não esconde que “a atual governação do PSD revela uma maior abertura. Vem mais vezes ao Parlamento, há uma fiscalização maior, mas é claro que as maiorias absolutas têm sempre os vícios. Não houve uma verdadeira alternativa, o que houve foi uma alternância dentro do próprio PSD. Basta ver que alguns dos deputados que hoje compõem a bancada do PSD, já estavam no tempo do Dr. Jardim. No essencial, as políticas não se alteraram, continuamos com uma preocupante bolsa de pobreza e ainda não conseguimos recuperar o diferencial fiscal que tinhamos antes do Programa de Ajustamento Financeiro. E podemos recordar que à luz do Estatuto Político Administrativo, podemos ir até 30 por cento. Além disso, este governo nunca teve coragem de baixar o IVA, bastava um ponto percentual em cada patamar”.
Quando o Governo apresenta um conjunto de medidas que vai ao encontro das necessidades das pessoas, desde a redução nas creches, nos passes sociais, com crescimento à mistura e redução na taxa de desemprego satisfaz grupos profissionais, torna-se mais complicado fazer oposição?
80 mil pessoas em risco de pobreza
“Muitas das boas medidas que foram aprovadas, já a oposição reclamava há muito. Há muitos anos, foi aprovada uma recomendação ao Governo, que ia no sentido do passe gratuito para os idosos, que nunca foi aplicada. Claro que da mesma forma que o Governo Regional foi prejudicado pela conjuntura nacional e internacional desfavorável, também agora é beneficiado pela conjuntura favorável. É bom avaliar para os dois lados. Mas faz-me alguma confusão que estando a Madeira a crescer e a reduzir o desemprego, ainda tenhamos metade dos desempregados sem acesso a qualquer tipo de rendimento e 80 mil pessoas em risco de pobreza. E veja que, ainda hoje, há funcionários públicos que ganham o ordenado mínimo com 30, 40 anos de serviço. Veja-se o caso dos assistentes operacionais na Saúde, mas também na Educação e na Segurança Social”.
Com um caudal de medidas e apoios, de classes beneficiadas com o descongelamento de carreiras, casos dos enfermeiros e dos professores, aquilo que se diz ser uma “onda de mudança na Madeira, é mesmo real? O PS diz que sim, com Paulo Cafôfo como novidade, o PSD diz obviamente que não, que Cafôfo está comandado por Lisboa e que essa opção seria regressarmos ao domínio de Lisboa.
Monopólio nos portos com solução adiada
Roberto Almada deixa claro que “apesar de todas estas medidas do Governo, existem razões para descontentamento com o Governo de Miguel Albuquerque. Aponta o monopólio dos portos como “uma solução adiada” e socorre-se de uma declaração do administrador da Empresa de Cervejas da Madeira, o deputado social democrata Miguel de Sousa, para exemplificar esse protecionismo na atividade portuária. “O administrador da Empresa de Cervejas disse que levar um contentor da Madeira para a China era três vezes mais caro do que levar um contentor do Funchal para Lisboa. Mas falou também em concertação de preços entre empresas que operam. E isso é perfeitamente inaceitável. É preciso haver uma queixa na Autoridade da Concorrência e no limite levar o problema às instâncias europeias”.
Grupo que perdeu concurso gere as inspeções automóveis
Roberto Almada diz que não é contra os grupos económicos, mas lembra a proteção que houve relativamente às inspeções automóveis. “Há um grupo empresarial, madeirense, que não ganhou o concurso público mas que acabou por fazer o serviço. E o grupo ganhador, do Continente, tem um processo em tribunal que pode custar à Região 20 milhões de euros de indemnização. Se as decisões judiciais mantiverem, através dos recursos, a tendência das que foram já tomadas, a Madeira vai pagar”.
Em termos político partidários, Paulo Cafôfo aparece como o candidato capaz de destronar Miguel Albuquerque e uma governação PSD há mais de quatro décadas. Isso representa, para a oposição da Madeira, uma oportunidade? Chegou a hora da oposição? O deputado bloquista diz que não vai fugir à questão, mas opta por lembrar que o Bloco de Esquerda, já nos tempos do Paulo Martins, empenhou-se numa união das forças, à esquerda, que permitisse construir um outro modelo de governação, quer nas autarquias quer no Poder Regional. Esse sonho foi perseguido pelo Paulo Martins, foi a pessoa que mais lutou por uma verdadeira alternativa política na Madeira. E quando apoiámos, pela primeira vez, essa eventual alternativa na Câmara do Funchal, no primeiro mandato desta Coligação, então Mudança, o próprio Paulo Martins, ainda vivo na altura, mantinha aquela força de nos empenharmos numa alternativa. Saiu ganhadora essa aposta”.
É preciso que a mudança represente políticas diferentes
Depois deste parêntesis, para contextualizar que esta unidade para a mudança não é nova, Roberto Almada vai diretamente à questão que colocámos, se há ou não uma vontade de mudar e se Cafôfo é a imagem real dessa mudança. “Claro que existe uma vontade de mudança, mas é preciso que essa mudança represente, efetivamente, a adoção de políticas diferentes que resolvam os problemas das pessoas. E para isso, é preciso que os partidos à esquerda do Partido Socialista, tenham força suficiente para criar a consistência dessa mudança, a exemplo do que aconteceu no Governo da República. Se assim não for, corremos o risco de ter uma mera alternância e não uma alternativa no Governo da Madeira”.
Uma opção do género “geringonça”? “Não sei, a vontade será expressa pelos madeirenses. O que eu acho, e esta é uma opinião pessoal, é que as forças à esquerda do PS, não devem passar um cheque em branco. Uma verdadeira alternativa deve ser pensada numa base de negociação, onde cabem as propostas que essas forças tenham para a governação da Madeira, que façam a diferença relativamente às governações centro-direita, que nos levaram ao Programa de Ajustamento Financeiro, com uma dívida monumental contraída em nosso nome e com a ocultação da dívida regional”.
O que precisamos é de uma conjugação de forças
Por aquilo que se vislumbra, em matéria de candidatura socialista, com Paulo Cafôfo a expressar o foco contra Miguel Albuquerque, mas com alguma oposição a considerar que as políticas poderão não ser tão divergentes, há o risco de, mesmo mudando, ser mais do mesmo? “Vou dar-lhe o exemplo do governo central. Acha que se António Costa não tivesse uma Catarina Martins ou um Jerónimo de Sousa, a fazerem finca pé para devolver os rendimentos retirados aos portugueses, para dar melhores condições de apoio aos idosos, entre outras medidas sociais, o Governo do PS seria uma verdadeira alternativa?
Os madeirenses não perdoarão a quem roer a corda
Está a querer dizer que precisamos, na Madeira, de uma Catarina Martins? “O que precisamos, na Madeira, é de uma conjugação de forças que possa criar uma alternativa política, à esquerda, que resolva os problemas que as pessoas ainda têm. Se não for para isso, não vale a pena, vamos à nossa vida. Se o Bloco de Esquerda e o PCP tiverem, aritmeticamente, uma força suscetível de contribuir para a criação de uma alternativa, os madeirenses não perdoarão a quem roer a corda”.
Mas atendendo ao contexto eleitoral e à previsibilidade de não haver maioria absoluta, começam a surgir no horizonte aquilo a que podemos chamar de “fiéis da balança”, com CDS a referir estar mais perto do PSD e o JPP a mostrar recetividade para fazer valer um potencial que pode ser confirmado nas urnas. “Cada partido deve fazer a sua campanha, fazer as suas propostas e dizer ao que vem. Mas neste momento, andar a dizer que será fiel da balança, é melhor deixar essa decisão para os eleitores. Eu também já cometi esse erro e dei muitas cabeçadas. Os madeirenses vão dizer o que querem. E até pode não ser o partido mais votado a formar governo, depende da soma da representatividade. O que acontece é que em Portugal não estávamos habituados a isso. Por isso, é errado dizer que A ou B é candidato a presidente do Governo. Há candidatos a deputados e é no Parlamento, por uma conjugação de forças, que se decidirá quem vai formar governo e q uem será o presidente”.
A esquerda até pode sair reforçada destes atos eleitorais em 2019
A bipolarização pode colocar em risco os partidos mais pequenos? “Uma perspetiva de bipolarização é sempre mais difícil de enfrentar. Não gosto do termo pequenos, os partidos são como os homens, não se medem aos palmos. Mas a verdade é que se esses partidos com menor representatividade tiveram uma estratégia bem delineada, propostas concretas e pessoas que deem corpo a essas alternativas, estou convencido que a esquerda até pode sair reforçada destes atos eleitorais em 2019”.
O próximo Governo Regional estará confrontado com vários assuntos complexos, que têm sido avaliados num clima pré eleitoral, onde tem sido visível a crispação entre Governos, Regional e Nacional. A mobilidade é um deles, quer aérea quer marítima. E Roberto Almada deixa claro que tem uma esperança ainda antes do final da Legislatura nacional. “Espero que o Parlamento Nacional tenha a decência de aprovar, até final da Legislatura, uma proposta que foi aprovada, por unanimidade, na Assembleia Legislativa da Madeira, que aponta para o pagamento, apenas, de 86 euros por parte do residente e 65 por parte do estudante. No resto, o Estado entende-se com as companhias aéreas. Foi um bom trabalho da Assembleia Regional. E espero que isso seja resolvido agora”.
Madeira fez uma liberalização aérea sem rede
Diz que “houve um erro na mobilidade. Em 2008, a Madeira fez uma liberalização aérea sem rede, com o final do serviço público por parte da TAP. Mas apesar disso, ainda entendo que será possível criar um modelo que obrigue a companhia nacional, maioritariamente de capitais públicos, a retomar as obrigações de serviço público. O governo PS também cometeu um erro ao permitir que os privados, em minoria, mandem na TAP. O Bloco e o PCP têm feito pressão para que a situação mude, mas o PS quer ter o poder absoluto e anda a adiar as soluções com comportamento de emancipação”.
O Armas foi corrido daqui para fora
Relativamente ao “ferry”, o deputado do Bloco diz que “é um problema que nem deveria existir. O Armas foi corrido daqui para fora, por má vontade da APRAM e de grupos que aqui operam. Repare que no ano passado, cada vez que o ferry atracou no porto do Funchal, a Região pagou 250 mil euros a uma empresa privada, que aluga esse mesmo ferry. Porque razão não é a própria Região a gerir diretamente essa operação?”
Roberto Almada admite uma discussão relativamente ao número de viagens por ano, atendendo a que existem períodos de menor procura, mas defende, sempre, a liderança do processo por parte da Região, que não precisava de dar aos privados mais este serviço”.
É preciso reformular a ajuda domiciliária aos idosos
Chegámos a um outro setor determinante para quem vier para a governação depois de Setembro. A Saúde, que na perspetiva do nosso entrevistado entronca numa outra questão, que é a grande dívida social que temos para com aqueles que são os mais pobres dos pobres. Temos a população a envelhecer, ainda mais num horizonte de vinte anos. Seja qual for o próximo governo, terá forçosamente de encarar a terceira idade de uma outra forma, com uma outra estratégia, por forma a dar aos idosos outras condições de vida. Dizem que os idosos devem permanecer nas suas casas e eu estou de acordo, tenho uma mãe e também gosto que esteja em casa. Acontece que não podemos ignorar que há muitos idosos que passam demasiado tempo sozinhos. É importante, no âmbito da Saúde, reformular a ajuda domiciliária. É dos maiores desafios para a Região. E o novo Hospital deve avançar rapidamente, não podemos perder mais tempo, o Governo da República não pode falhar no apoio”.
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